Reportagem sobre o Consumo
A publicidade e o consumo infantil
Por
Clóvis de Barros Filho
A oportunidade de poder falar de
um tema tão delicado me é muito cara. A questão da publicidade voltada ao
público infantil e do consumo dessa faixa etária é uma preocupação pessoal de
longa data. Bastante reforçada, reconheço, pela existência que tanto me orgulha
de minha filha, hoje com seis anos. O que preocupa a mim, e acredito ser o
mesmo motivo que preocupa os outros pais, é ver minha filha completamente
imersa em um mundo fantástico de possibilidades de consumo que lhe é
apresentado como maravilhoso. Desde sempre, encontramos no discurso do
marketing a grande missão de encontrar e satisfazer as necessidades das
pessoas. Trabalho benevolente, salvador. O que seria de nós sem essas sedutoras
soluções? Então, cabe a pergunta: quais as necessidades das crianças? Diversão?
Fantasia? Certamente. Educação? Amor? Saúde? Sem dúvida. E mais tantas outras
que não poderíamos citar sem deixar este artigo longo demais. Mas, será mesmo
que são essas as necessidades que impulsionam a gigantesca e bilionária
indústria (US$ ou R$ 130bi/ano no Brasil) que tanto preza nossas crianças? 80%
da publicidade de alimentos voltada às crianças é de produtos com alto teor de
gordura, muito calóricos, pobres em nutrientes. Temos aí um forte indício de
que não são estes, acima, os principais fatores motivadores da atuação da
indústria no mundo infantil.
A necessidade de acumulação de
capital constante fez com que as empresas subitamente tivessem que diversificar
seus clientes. Lembremos, por exemplo, o recente lançamento de uma empresa de
cosméticos de um creme anti-rugas para pessoas de 25 anos. O mesmo é válido
para crianças. As empresas, em sua fúria pelo lucro cada vez mais ampliado,
viram nesse público uma grande oportunidade. Necessidade do lucro. Irrefreável.
O único motor das empresas. O único fator capaz de movimentá-las em um sentido,
e de parar qualquer atividade, se não acontecer. Mas a pergunta que fica no ar
é: como ela faz isso? Pela publicidade, que deixou há muito tempo de ter um
discurso objetivo. Deixou de tentar convencer. Não estimula mais o logos, a
razão. Passou a seduzir. Mexer com as emoções mais primárias. Quanto menos
palavras, melhor.
Mas, a publicidade seduz para
quê? Por que invocar e estimular as mais primitivas estruturas do inconsciente?
Por um simples motivo: é ali que se encontra a maior fragilidade da nossa
psique. É por esse caminho que se consegue uma compra por impulso, sem passar
pelo crivo da razão, que certamente imporia barreiras lógicas difíceis de serem
transpostas por um discurso que pretende criar uma realidade alternativa,
melhor forma de vender um produto. Conheço uma excelente psiquiatra que
conseguiu reduzir a compulsão de uma de suas pacientes pedindo que realizasse o
simples gesto de dar uma volta no andar do shopping antes de comprar qualquer
coisa. A conta do cartão de crédito que chegava ao salário de um juiz diminuiu
75%. Perceba que ali não havia uma decisão racional de compra, mas sim o
impulso, o desejo, ambos vindos do inconsciente.
O jogo de
sedução
Mas, voltemos às crianças. Como
dito, a publicidade explora aquilo que de mais frágil há em nós. Por quê,
então, tamanho interesse no mundo infantil? Já podemos supor que haja nas
crianças uma fragilidade ainda maior, em relação ao mundo adulto. Mas pondero
que a fragilidade não é só das crianças. Brevemente, informando que 80% das
compras domésticas passam diretamente pela vontade da criança, pondero que há
nos pais também grande fragilidade. De contato com as crianças, de conhecimento
sobre o que se passa no mundo infantil, de autoridade. Houve uma completa
inversão de posições. Quem manda são os pequenos. Está nessas fragilidades o
principal interesse das corporações. Seduzindo as crianças há uma enorme
possibilidade de “reter na fonte” o salário dos pais. Há muito menos barreiras.
Tanto na própria psique infantil quanto na relação destas com os pais.
Vimos anteriormente que a
publicidade seduz, explora os mais primários desejos de nosso inconsciente.
Mas, se for assim, por que nas crianças haveria maior vulnerabilidade? As
crianças não dispõem do leque de possibilidades existenciais que os adultos
dispõem. Para elas, é muito mais difícil visualizar o rol de possibilidades que
estão à sua escolha, e acaba refém daquela que se apresenta no seu dia-a-dia e
no cotidiano de seus colegas, justamente através do discurso publicitário. As
necessidades grandemente exploradas no mundo infantil são a do pertencimento e
da identidade. Ambas fundantes da vida em sociedade. Pois não há sociedade sem
união de pessoas em grupos e não há sociedade em que não seja possível
reconhecer-se como indivíduo perante o outro.
A publicidade busca, a todo o
momento, estimular essas duas necessidades. Consumindo, a criança será aceita
como consumidora, consumindo, será aceita no grupo de consumidores daquele
produto, será afastada dos não-consumidores daquele mesmo produto, e, portanto,
terá uma existência social alegradora. Critérios que antes eram uma certa
habilidade no jogo de queimada, uma certa capacidade de contar piadas, entre
tantas outras, hoje são voltados quase que exclusivamente para o mundo do
consumo.
Vejamos os celulares, por
exemplo. O celular com mp3 insere a criança num universo, o que tem câmera, em
outro, o que tem Bluetooth, em um terceiro. O que tem o celular com todas as
funções ao mesmo tempo consegue um destaque no mundo infantil, adquire para si
as características positivas atribuídas ao produto. Apropria-se do status
social do produto.
A publicidade estimula as
crianças a estabelecerem critérios de seleção dos membros de seus grupos
através do consumo, assim como estimula as próprias crianças a projetarem nos
produtos aquelas características que desejariam para si mesmas, a inserção em
um grupo social, a diferenciação social dentro desse grupo e entre outros
grupos, o glamour, e por aí vai. Um exemplo fácil de entender é a relação das
crianças com a boneca. Antes, brincar de boneca era um ato maternal. A criança
era a mãe da boneca. Hoje, a boneca é uma projeção daquilo que a criança
deseja. A criança não mais é a mãe da boneca, é a própria boneca.
Assim, a publicidade está no
centro do comportamento infantil, levando as crianças para onde quer, a partir
de suas necessidades de pertencimento e identidade, explorando sua fragilidade
psíquica e os fracos laços que as ligam aos pais. Esta é uma questão que,
certamente, merece muita atenção e discussão por todos que prezem minimamente
pela vida das próximas gerações.O Consumismo é o ato de comprar
produtos e/ou serviços sem necessidade e consciência. É compulsivo,
descontrolado e que se deixa influenciar pelo marketing das empresas que
comercializam tais produtos e serviços. É também uma característica do
capitalismo e da sociedade moderna rotulada como “a sociedade de consumo”.
O consumista diferencia-se em grande
escala do consumidor, pois este compra produtos e serviços necessários para sua
vida enquanto aquele compra muito além daquilo de que precisa.
O consumismo tem origens emocionais,
sociais, financeiras e psicológicas que juntas levam as pessoas a gastarem o
que podem e o que não podem com a necessidade de suprir a indiferença social, a
falta de recursos financeiros, a baixa autoestima, a perturbação emocional e
outros.
As consequências ruins ao consumista
são: processos de alienação, exploração no trabalho, multiplicação de
supérfluos (que contribuem para o processo de degradação das relações sociais e
entre sociedades) e a oneomania (que é um distúrbio caracterizado pela
compulsão de gastar dinheiro. É mais comum nas mulheres, tomando uma proporção
de quatro por um). Além disso, o meio ambiente também sofre com este “mal do
século”, pois o aumento desenfreado do consumo incentiva o desperdício e a
grande quantidade de lixo.
Clóvis de Barros Filho é
graduado em direito pela Universidade de São Paulo (USP) e em jornalismo pela
Faculdade de Comunicação Social Casper Líbero, é mestre em science politique
pela Université de Paris III e doutor em ciências da comunicação. Obteve a
livre-docência pela Escola de Comunicações e Artes da USP e atualmente é
professor de ética da USP.
Fontes consultadas: Instituto Alana, ANVISA,
revista Exame.
Por Gabriela Cabral
Equipe Brasil Escola.com
Equipe Brasil Escola.com
Disponível em: http://www.brasilescola.com/psicologia/consumismo.htm
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